sexta-feira, 18 de maio de 2012

Artigo na revista GQ


Provas de trail em alta

Para além dos limites


Aventurámo-nos nas provas mais radicais de atletismo. Mas sobrevivemos para relatar a experiência. Sim, com cãibras proporcionais à falta de treinos. Mas recomendamos. Boas noticias: quanto mais maduros, parece que mais rijos ficamos...

“O trail é muito bonito, mas quem se distrai arrisca-se a dar um grande... tralho.”
Paulo Portugal, Fevereiro 2012

“Força!”, “Força”. Força é mesmo a palavra-chave para enfrentar o desafio de completar uma prova de trail. De um lado, o incentivo mútuo entre atletas, mas também o pré-requisito necessário para cumprir os troços mais técnicos de percursos com várias dezenas (chegando mesmo à centena!) de quilómetros em montanha, em que as subidas são tão penosas como as igualmente agrestes descidas em trilhos de pedras soltas, rochas, lama, água e terra. Fica para recordar, o contacto mais puro com a natureza, onde a partilha do esforço físico nos limites e o companheirismo permite que cada prova seja vivida como uma pequena conquista. É por essas e por outras que a modalidade leva cada vez mais adeptos à montanha, saturados da monotonia desgastante e algo egoísta do alcatrão. Após a nossa experiência e o visionamento no youtube de vídeos das últimas provas mais radicais, cá e lá – desde o desafio da Freita à Maraton des Sables e Mont Blanc -, percebemos como é aqui que o tema de Vangelis da banda sonora de Momentos de Glória assume a sua verdadeira dimensão.
Foi num misto de espírito aventureiro e vontade tremenda de relatar a experiência aos leitores da GQ, que participámos em dois trilhos no espaço de um mês. Primeiro, os 42 kms do Ultra Trail dos Abutres, na serra da Lousã; depois nos 38 kms de Conímbriga Terras de Sicó, em Condeixa. Sempre na companhia do veteraníssimo ex-paraquedista Joaquim Adelino, de 63 anos, colega da equipa Amigos Vale do Silêncio, com apenas três anos de trail, mas mais de vinte em corridas. Daí o adequado nome de guerra (e do blog) “Pára Que Não Pára”.
Uma aventura partilhada ainda pelos outros ‘Amigos’ Hernâni Monteiro e Filipe Ramalho, bem sucedidos nos Abutres, e Eurico Charneca, com tempo canhão em Sicó. Oportunidade ainda para um momento de confraternização, em Mirando do Corvo, com o ultra-campeão Carlos Sá, em treino para a 27ª edição da Sultan Marathon des Sables, já em Abril, onde foi 8º da geral da última edição, num acumulado de 24 horas de prova. Bem feito.
Aqui estamos, no meio da natureza, depois de uma norte mal dormida no chão do ginásio local ou quartel dos bombeiros, em conjunto com algumas escassas centenas de viciados na adrenalina do sublime esforço do atletismo de montanha. O pensamento é comum: atacar a montanha! Ténis de montanha, “camel back” (o reservatório de água às costas), suplementos energéticos, para usar em alternativa aos fornecidos nos diversos pontos de abastecimento, bastões para os trilhos mais íngremes. Muita vontade. E treino qb.
Quando se parte para uma prova de mais de 30kms em montanha sabemos que não é a corrida que interessa, mas sim chegar ao fim. Por isso, a alternância entre o trote e o andar é fundamental. Só mesmo os prós para correr em caminhos estreitos, por cima de pedras até às ventoinhas eólicas nos cumes dos montes, seguidos por descidas pronunciadas onde a queda é a “morte” do artista. É aí que os sapatos de sola resistente, por vezes com pitons de metal para aumentar a tracção, marca a diferença em esforço e tempo. Bem como o uso dos bastões, uma espécie de 4x4 para as subidas, a hidratação e os suplementos energéticos. Sem stress e disponibilidade para uma dezena de horas a seguir as marcações na montanha? É assim que o trail se transforma numa experiência radical que vale a pena viver.
Joaquim Adelino tem a sua história. Começou a correr aos 39 anos, motivado pelos dois filhos, hoje ambos atletas. E nunca mais parou. Apesar de correr cerca de 3000 kms por ano, treinos incluídos, mantém a sua máxima: “há quem venha para competir, mas eu venho para me divertir”, diz o atleta que terminou com 9h os Abutres e Sicó com 5h25m. Um exemplo, meninos! E salienta o espírito saudável, e menos competitivo, do trail. “Aqui corremos e andamos, o que dá para recuperar e fazer grandes distancias.” Mas adverte: “Não dá para admirar a paisagem. Uma vez ia-me espalhando pela rocha abaixo”.
Para a (minha) história ficam a agonia das caimbras que me fizeram optar pelo calor da lareira no posto de abastecimento aos 29 kms, com 6h30, algures na serra da Lousã, dentro da prova dos Abutres (os últimos completaram a prova depois das 10 horas); resultado melhor nos mais brandos 38kms de Sicó, com 6h09, ainda que sempre acompanhado pela constante motivação do ‘vassoura’ José Magro. Lição aprendida: a sedução do desafio paga-se com uma semana de dores musculares intensas. Mas um programa de treinos mais longos com etapas em montanha acaba por dar melhores resultados. E uma vontade de fazer mais e melhor.
É este o fascínio pela modalidade: um misto de aventura, com saboroso desfrute de natureza, aliado a ao esforço físico no extremo. Sempre num ambiente de grande entreajuda. “É claro que não é qualquer pessoa que vem para o trail; é para quem tem muitos anos disto”, adverte Eurico Charneca. Mas não desaconselha: “Todos podem vir, mas têm de treinar, se não, não conseguem.”
Outros, bem mais audazes, cantarão feitos de uma partida às 4h30 da manhã para atacar os 70kms da Serra da Freita, em Arouca, como o Adelino, que pretende ultrapassar a sua barreira pessoal e os 40kms e ver a queda de água na Mizarela e ainda cumprir os 100 kms do Ultra Trail de S. Mamede, em Maio. “Temos de treinar o andar, não é só treinar a corrida. Aqui vemo-nos aflitos para arrancar 100 ou 200 metros a correr”, recorda. Há quem prepare os famosos 101Kms da Ronda, em Espanha, ou os mais de 160 kms no Mont Blanc, considerado por muitos como o trai dos trails. Para Carlos Sá, já se sabe, são as seis etapas dos 250 kms nas areias de Marrocos. Adeptos não faltam. É o turismo de aventura ligado ao desporto radical. Boa sorte. Boas provas. Força!!

O programa das festas de Joaquim Adelino (apenas até ao fim do Verão):
(ele diz que é para cumprir)

Abril
Dia 1, Trilhos do Amourol, 42 kms
Dia 15 Trail de Sesimbra, 50 Kms
Dia 22 Raid Vale de Barris, 30 Kms
Maio
Dia 6 Meia Maratona da Areia, Costa Caparica, 21 Kms
Dia 20 Ultra Trail de S. Mamede, 100 kms
Junho
Dia 6 Ultra Maratona Caminhos do Tejo, Lisboa-Fátima, 146 kms
Dia 30 Serra da Freita, 70 kms
Julho
Dia 8 Trail do Almonda, 30 Kms
Dia 22 Ultra Maratona Atlântica Melides/Tróia, 43 kms
Agosto
Dia 4 Trail Nocturno da Lagoa de Óbidos, 46 kms

Paulo Portugal
Nota : A  edição deste artigo só foi possível depois de obtida a devida autorização do seu autor a quem o blog agradece 

Nenhum comentário: