Provas de trail em
alta
Para além dos limites
Aventurámo-nos nas
provas mais radicais de atletismo. Mas sobrevivemos para relatar a experiência.
Sim, com cãibras proporcionais à falta de treinos. Mas recomendamos. Boas
noticias: quanto mais maduros, parece que mais rijos ficamos...
“O trail é muito bonito, mas quem se distrai arrisca-se a dar um
grande... tralho.”
Paulo
Portugal, Fevereiro 2012
“Força!”, “Força”. Força é mesmo a palavra-chave para
enfrentar o desafio de completar uma prova de trail. De um lado, o incentivo
mútuo entre atletas, mas também o pré-requisito necessário para cumprir os
troços mais técnicos de percursos com várias dezenas (chegando mesmo à centena!)
de quilómetros em montanha, em que as subidas são tão penosas como as igualmente
agrestes descidas em trilhos de pedras soltas, rochas, lama, água e terra. Fica
para recordar, o contacto mais puro com a natureza, onde a partilha do esforço
físico nos limites e o companheirismo permite que cada prova seja vivida como
uma pequena conquista. É por essas e por outras que a modalidade leva cada vez
mais adeptos à montanha, saturados da monotonia desgastante e algo egoísta do
alcatrão. Após a nossa experiência e o visionamento no youtube de vídeos das últimas
provas mais radicais, cá e lá – desde o desafio da Freita à Maraton des Sables e
Mont Blanc -, percebemos como é aqui que o tema de Vangelis da banda sonora de Momentos de Glória assume a sua
verdadeira dimensão.
Foi num misto de espírito aventureiro e vontade tremenda de
relatar a experiência aos leitores da GQ, que participámos em dois trilhos no
espaço de um mês. Primeiro, os 42 kms do Ultra Trail dos Abutres, na serra da
Lousã; depois nos 38 kms de Conímbriga Terras de Sicó, em Condeixa. Sempre na
companhia do veteraníssimo ex-paraquedista Joaquim Adelino, de 63 anos, colega
da equipa Amigos Vale do Silêncio, com apenas três anos de trail, mas mais de
vinte em corridas. Daí o adequado nome de guerra (e do blog) “Pára Que Não
Pára”.
Uma aventura partilhada ainda pelos outros ‘Amigos’ Hernâni
Monteiro e Filipe Ramalho, bem sucedidos nos Abutres, e Eurico Charneca, com
tempo canhão em Sicó. Oportunidade ainda para um momento de confraternização,
em Mirando do Corvo, com o ultra-campeão Carlos Sá, em treino para a 27ª edição
da Sultan Marathon des Sables, já em Abril, onde foi 8º da geral da última
edição, num acumulado de 24 horas de prova. Bem feito.
Aqui estamos, no meio da natureza, depois de uma norte mal
dormida no chão do ginásio local ou quartel dos bombeiros, em conjunto com algumas
escassas centenas de viciados na adrenalina do sublime esforço do atletismo de
montanha. O pensamento é comum: atacar a montanha! Ténis de montanha, “camel
back” (o reservatório de água às costas), suplementos energéticos, para usar em
alternativa aos fornecidos nos diversos pontos de abastecimento, bastões para
os trilhos mais íngremes. Muita vontade. E treino qb.
Quando se parte para uma prova de mais de 30kms em montanha
sabemos que não é a corrida que interessa, mas sim chegar ao fim. Por isso, a
alternância entre o trote e o andar é fundamental. Só mesmo os prós para correr
em caminhos estreitos, por cima de pedras até às ventoinhas eólicas nos cumes
dos montes, seguidos por descidas pronunciadas onde a queda é a “morte” do
artista. É aí que os sapatos de sola resistente, por vezes com pitons de metal
para aumentar a tracção, marca a diferença em esforço e tempo. Bem como o uso
dos bastões, uma espécie de 4x4 para as subidas, a hidratação e os suplementos
energéticos. Sem stress e disponibilidade para uma dezena de horas a seguir as
marcações na montanha? É assim que o trail se transforma numa experiência
radical que vale a pena viver.
Joaquim Adelino tem a sua história. Começou a correr aos 39
anos, motivado pelos dois filhos, hoje ambos atletas. E nunca mais parou.
Apesar de correr cerca de 3000 kms por ano, treinos incluídos, mantém a sua
máxima: “há quem venha para competir, mas eu venho para me divertir”, diz o
atleta que terminou com 9h os Abutres e Sicó com 5h25m. Um exemplo, meninos! E
salienta o espírito saudável, e menos competitivo, do trail. “Aqui corremos e
andamos, o que dá para recuperar e fazer grandes distancias.” Mas adverte: “Não
dá para admirar a paisagem. Uma vez ia-me espalhando pela rocha abaixo”.
Para a (minha) história ficam a agonia das caimbras que me
fizeram optar pelo calor da lareira no posto de abastecimento aos 29 kms, com
6h30, algures na serra da Lousã, dentro da prova dos Abutres (os últimos
completaram a prova depois das 10 horas); resultado melhor nos mais brandos 38kms
de Sicó, com 6h09, ainda que sempre acompanhado pela constante motivação do
‘vassoura’ José Magro. Lição aprendida: a sedução do desafio paga-se com uma
semana de dores musculares intensas. Mas um programa de treinos mais longos com
etapas em montanha acaba por dar melhores resultados. E uma vontade de fazer
mais e melhor.
É este o fascínio pela modalidade: um misto de aventura, com
saboroso desfrute de natureza, aliado a ao esforço físico no extremo. Sempre
num ambiente de grande entreajuda. “É claro que não é qualquer pessoa que vem
para o trail; é para quem tem muitos anos disto”, adverte Eurico Charneca. Mas
não desaconselha: “Todos podem vir, mas têm de treinar, se não, não conseguem.”
Outros, bem mais audazes, cantarão feitos de uma partida às
4h30 da manhã para atacar os 70kms da Serra da Freita, em Arouca, como o
Adelino, que pretende ultrapassar a sua barreira pessoal e os 40kms e ver a
queda de água na Mizarela e ainda cumprir os 100 kms do Ultra Trail de S.
Mamede, em Maio. “Temos de treinar o andar, não é só treinar a corrida. Aqui
vemo-nos aflitos para arrancar 100 ou 200 metros a correr”, recorda. Há quem
prepare os famosos 101Kms da Ronda, em Espanha, ou os mais de 160 kms no Mont
Blanc, considerado por muitos como o trai dos trails. Para Carlos Sá, já se
sabe, são as seis etapas dos 250 kms nas areias de Marrocos. Adeptos não
faltam. É o turismo de aventura ligado ao desporto radical. Boa sorte. Boas
provas. Força!!
O programa das festas
de Joaquim Adelino (apenas até ao fim do Verão):
(ele diz que é para
cumprir)
Abril
Dia 1, Trilhos do
Amourol, 42 kms
Dia 15 Trail de
Sesimbra, 50 Kms
Dia 22 Raid Vale de
Barris, 30 Kms
Maio
Dia 6 Meia Maratona
da Areia, Costa Caparica, 21 Kms
Dia 20 Ultra Trail de
S. Mamede, 100 kms
Junho
Dia 6 Ultra Maratona
Caminhos do Tejo, Lisboa-Fátima, 146 kms
Dia 30 Serra da Freita,
70 kms
Julho
Dia 8 Trail do
Almonda, 30 Kms
Dia 22 Ultra Maratona
Atlântica Melides/Tróia, 43 kms
Agosto
Dia 4 Trail Nocturno
da Lagoa de Óbidos, 46 kms
Paulo Portugal
Nota : A edição deste artigo só foi possível depois de obtida a devida autorização do seu autor a quem o blog agradece
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