sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

Crónica do ultra trail "os abutres"


Ultra Trail, Organização da responsabilidade da Associação Abútrica de Miranda do Corvo, ali nas faldas da Serra da Lousã, na distância de 45 kms.  Há 3 meses que fizeramos a inscrição, eu o Filipe, o Hernâni e o Charneca, o Paulo Portugal inscreveu-se mais tarde e a ansiedade era grande desde desde já a alguns dias, o Charneca a dois dias da prova diz que já não vai e o Paulo por essa altura ainda estava indeciso, finalmente conseguimos acertar as coisas e ás 20 horas de Sexta feira do dia 27/01, véspera do Trail, partimos de Vialonga a caminho de Miranda do Corvo sobre a direção e orientação do Hernâni que garantia a pés juntos que conhecia bem o caminho e sem passarmos por Auto-estradas. Por este motivo abstive-me de levar o GPS para não criar confusões na direção a tomar como já tem acontecido várias vezes. Bem dito e bem feito, antes das 23h. já estávamos em Miranda do Corvo e logo nos dirigimos para o Pavilhão Municipal onde estava montada toda a operação relativa a este Ultra Trail de Montanha, levantámos os dorsais e de seguida fomos para o local de dormida no Pavilhão dos bombeiros . O chão era duro e não havia colchões de ginástica para colocarmos por baixo dos sacos de dormir, eu levava uma esteira de esponja que atenuou um pouco mas parece-me que alguns dos nossos amigos não tiveram esse cuidado. Ficámos bem instalados a meio do Pavilhão encostados a uma parede e ao lado uns dos outros, o Pavilhão estava cheio e antes de se apagar a luz o movimento era muito intenso, os amigos cumprimentavam-se, o Carlos Sá vem ter conosco e trocamos ali uma pequena conversa onde nos informou do seu próximo dasafio já em Março dos 250 kms de Les Serbeles no deserto do Saára, entretanto o Orlando Duarte e a sua simpática esposa servem a quem quizer beber um delicioso chá e café acompanhado de licores e mel, um gesto sempre repetido a quem agradeço do fundo do coração. Quando o silêncio já era de ouro fui apagar as luzes ficando acesas as luzes de vigília e fui deitar-me na esperança de poder dormir um pouco. Depressa verifiquei que o frio era muito intenso e o saco não iria ser suficiente para me aquecer, aconcheguei-me melhor e esperei... mas aquilo que era silêncio de ouro depressa se transformou num pesadêlo toda a noite, roncos para todos os gostos, competição aos quatro cantos da casa mas ninguém se atreveu a pôr cobro áquilo, apenas eu, tentava que os nossos honrassem o bom nome que ostentam de Silenciosos mas dois deles teimavam em competir com eles até para não nos deixarem ficar mal, mas eu não estava a gostar da festa, a um atirei-lhe o que tinha à mão mas sem sucesso, ao outro empurrei-o um pouco para o lado e acalmou, mas todos os outros estavam impossíveis. desesti de dormir, estendi o Kispo por cima do saco de dormir e atenuou o frio e assim fiquei até ás 7 h. da manhã, de vigília.
Ás 8,30 partimos finalmente, o frio era muito mas notava-se que o dia ia estar bonito, alguns dos nossos estavam bem protegidos contra o frio e interrogava-me até onde é que eles conseguiriam levar aquela roupa vestida, eu estava como habitualmente e sem cuidados especiais, cumprindo o estipulado foi feita uma revista a todo o equipamento obrigatório que os atletas teriam de levar e como estava tudo em ordem abriu-se o portão e partimos para aquela que seria mais um Trail na minha ainda curta "carreira". Éramos 320 à partida o Filipe e o Hernâni tal como previsto partiram juntos e eu fiquei com o Paulo, até ao 1,5km ainda ficámos todos juntos mas assim que passámos o Cristo Rei lá da terra separámo-nos e nunca mais os vimos. O Paulo só à última é que dicidiu fazer o Ultra Trail pois dissera que não tinha treinos para aquilo mas corajosamente dicidiu-se pela aventura e eu entendi ficar com ele, pelo menos até ver no que dava.
Até aos 10kms aquilo era lindo de se ver, o Parque Temático com diversos animais selvagens e outros e depois rolando sempre pala Várzia e com algumas curtas incursões pela Serra, o Paulo já tinha ficado para trás, notara que se ficasse com ele tão pouco conseguiria passar nos controlos fixados pela organização, então dicira seguir na certeza que ele iria ter o bom sense de parar quando achasse oportuno. Aos 10 kms estava o 1º abastecimento e foi a partir dali que aquilo começou a doer, tínhamos agora 5 kms de subida a pique sempre acompanhados de um pequeno Ribeiro onde deslizava uma corrente de água pura e cristalina, olhar para aquilo atenuava um pouco do sofrimento em que seguíamos, o peito dos  pés eram já só câmbrias valia-me ali que eu levava os apoios e com os braços ia atenuando o esforço das pernas. O percurso estava muito bem marcado e continuava a não ver os nossos 2 amigos da dianteira, só por um engano deles é que voltaria a vê-los pensei eu, do Paulo nada sabia mas pelas dificuldades que eu vinha sentindo não augurava nada de bom para ele. Até ao 2º Abastecimento que estava nos 18 kms num parque muito bonito e onde se notava muita actividade dos Javalis o percurso foi acidentado mas que se ultrapassou bem, ali voltei a encontrar uma fonte natural a 800 metros de altitude que jorrava água alimentando o caudal do Ribeiro e toda a fauna que por ali existe, parti pouco depois à conquista do cimo da Serra que estava nos 940 metros, ao contrário do ano passado (2 graus negativos) o dia estava muito bonito com sol e sem vento, a última subida e estávamos no Parque Eólico. A partir dali era sempre a descer e o verdadeiro Trail ia começçar (mas nesta altura ainda não o sabia) Aos 21 kms dou o 1º trambulhão mas sem consequências, segue-se o novo caminho que desconhecia (mais 13 kms) e voltamos a descer a Serra, vemos agora Miranda do Corvo ali a nossos pés, as descidas são tremendas e massacrantes as articulações sofrem, as escorregadelas e quedas são muitas, para muitos as subidas são mais bem vindas do que as descidas como é o meu caso, lembro-me do Paulo que vem lá para trás mas a minha preocupação era se ele ainda se manteria em prova ou não, aquilo que eu estava a enfrentar por certo era demasiado para ele, o Filipe e o Hernâni continuavam na frente e estariam a viver o mesmo filme eu. Com dificuldades chego ao fim das rampas e logo de seguida voltamos a subir até quase ao cimo da Serra, de permeio encontramos o 3º Abastecimento aos 30 kms onde estava o 1º controlo de tempo, fiquei tranquilo estava com 1,20h de avanço e podia agora ir mais descansado, aqui aproveitei e pedi aos bombeiros para me fazer o curativo ao joelho. Vim a saber mais tarde que seria aqui que o Paulo Portugal acabaria por desistir, foi um herói e só parou por atingir o limite, ainda assim entrou dentro do controlo imposto para aquela distância, não tardou muito que o transportassem para o local de chega. Seguia agora por locais mais acessíveis à corrida e um pouco antes do alto da Serra começámos de novo a descer na direção de Gondramaz a cerca de 12 kms da meta. Pensava eu que a partir dali as coisa iam ser mais simples, os joelhos já estavam no seu limite e todos aqueles que iam ali por perto se queixavam do mesmo, os nossos 2 amigos continuavam a não ser vistos e supunha eu que estariam bem e sem problemas de maior, eu ia fazendo pela vida e tentando chegar ao fundo da Serra pois conhecia bem aquela descida do ano anterior, só que de repente o trilho virou para o Penedo dos Corvos e estava o caldo entornado, zona rochosa com extensão perto de 1km onde só se podis andar agarrado a cordas e correntes num sobe e desce constante onde as quedas eram umas atrás das outras, havia atletas que apenas podiam progredir arrastando-se quase sentados, o perigo de queda era permanente, os bombeiros estavam sempre por perto mas felizmente não tenho conhecimento de nada de grave. O 4º abastecimento estava nos 40 kms na Aldeia de Espinho mesmo na orla da Serra, ali existe o Clube de Caminheiros responsável pala excelente conservação daqueles trilhos e da Serra, bem como os obreiros e autores daquela maravilha que é o Penedo dos Corvos. Parei 1 minuto comi marmelada e bebi água e balei a Caminho de Miranda que estava ali a 5kms, agora já se podia correr e foi o que fiz, os joelhos iam agora melhorando e as dores já não eram muitas, atravesso toda a Vila (ou Cidade?) e tenho ainda um pequeno monte que passo sem dificuldade de maior, foi nesta altura a 200 metros da meta que paro um pouco, estava emocionado, cumprimento alguns amigos que já tinham terminado e estavam ali a dar uma força, esta era a prova mais longa que tinha feito e a 2ª que tinha gasto mais tempo, passado este instante e com a emoção ainda enrolada parto para a meta que estava dentro do Pavilhão que tínhamos deixado há precisamente 9 horas atrás, espectacular foi a volta de honra dentro do Pavilhão antes de cortarmos a meta, logo de seguida vejo o Filipe tento falar mas quase não consigo, tento disfarçar e logo sou informado que tudo correu bem com eles, incuíndo o Paulo que parara aos 30 kms e já ali estava. Fui ao banho e as coisas melhoraram um bocadinho, comer uma sandes e regressar, nem demos por fazer os 200kms de distância tantas foram as histórias que partilhámos nesta maravilhosa aventura, ás 21 horas já estávamos no conforto do nosso lar e com vontade de repetir para o ano que vem.
Um obrigado aos amigos Abutres pela excelência da estadia que nos proporcionaram e pela maravilha de prova que nos ofereceram. 
Texto:Joaquim Adelino

2 comentários:

Anônimo disse...

Quem ler a crónica faz a prova. Tal é o pormenor narrado. Vê e sente como se estivesse lá: o frio intenso, o chão duro, o pesadelo de querer dormir e não conseguir, a dor, o sofrimento, as cãibras, os trambolhões, as descidas massacrantes, as escorregadelas e as quedas, os joelhos no limite, a beleza da paisagem, a emoção de chegar ao fim.
Parabéns ao Joaquim Adelino por esta excelente crónica.
Parabéns aos quatro «duros» que se atreveram nessa «maravilhosa aventura».
Um abraço a todos.


Leonel Neves

ESTÓRIAS DE PORTUGAL disse...

Foi um prazer participar convosco nesta aventura. Ms terei de fazer mais e melhor para Sicó. Será a segunda parte da aventura. Abraço