segunda-feira, 12 de abril de 2010

28ª Corrida dos Sinos e 8ª Corrida dos Sininhos

Mafra, pacata, saloia, simpática, antigo povoado neolítico, conquistada aos mouros em 1147 por D. Afonso Henriques, que assistiu em 1717 ao lançamento da primeira pedra da construção do imponente e maravilhoso monumento barroco, o convento, dedicado a Santo António pelo Rei D. João V, no cumprimento de uma promessa atinente à concepção de um príncipe herdeiro por parte da Rainha, Maria de Áustria, onde as tropas napoleónicas montaram o seu quartel-general em Dezembro de 1808, e onde o Rei D. Manuel II se refugiou na noite de 4 para 5 de Outubro de 1910, foi invadida no dia 11 de Abril de 2010 por milhares de atletas que participaram na 28ª Corrida dos Sinos e na 8ª Prova dos Sininhos.
O aspecto rústico desta terra avivou reminiscências da minha infância, e, uma após outra, imagens e sensações indeléveis, recalcadas nas profundezas do subconsciente, renasceram, como a fénix das cinzas, e então senti-as, e vi-as desfilar, nostálgicas e cheias de encanto, na passadeira vermelha do meu pensamento: o ranger dos carros de bois, o gorjear dos passarinhos, o murmúrio da água a correr nos ribeiros, o latir dos cães, o uivar dos lobos, o tamborilar da chuva a cair nos telhados, o silvo do vento, as trovoadas e os relâmpagos estridentes, o sol escaldante de Agosto, os dias gélidos de Dezembro, a sombra dum negrilho, o urro duma vaca e o ornear dum jerico à volta da manjedoura, o grunhir dos suínos no curral, o cantar dos pastores, o som duma flauta, dum realejo e duma concertina, o cheiro do petróleo a arder nas candeias, o cacarejar das galinhas, o zumbido das moscas e das abelhas, o repique dos sinos, o adejar duma borboleta, o miar dos gatos durante o cio, os bailaricos e as festas, o fito e o calhau, a sueca à hora da sesta na taberna do Esteves, os tempos de pastor de ovelhas e guardador de vacas, os namoricos, os bois a puxarem a charrua que rasga a terra, as sementeiras e as segadas, a carreja e as malhas, os rebanhos a pastejar, o ar extenuante estampado no semblante dos camponeses, o crepitar da lenha a arder nas lareiras, a matança do porco, a fuligem das cozinhas, a arranca das batatas, a rega, os banhos dos garotos todos nus no rio e nas poças dos lameiros, os ninhos de melro, estorninho e cotovia, brincar às escondidas, as pétalas dum malmequer, subir às árvores, o nariz a sangrar por ter beijado o chão quando brincava, as calças rotas nos joelhos e no rabo, uma côdea de pão de quinze dias, o caldo que minha mãe fazia, o odor nauseabundo do esterco no curral, as searas e as vinhas, os soutos, os giestais floridos, os grilos e as cigarras e as suas melodias, o perfume e a beleza das flores silvestres, o sol a brilhar por cima da fonte, cintilante, mirando-me na água corrente, um lagarto ao sol, o sussurro duma cobra a rastejar, as festinhas do piloto com a cauda a dar a dar, as lições de moral de minha mãe e de meu pai, o voo a pique das perdizes e rasante das andorinhas, a casa de banho ao ar livre, as casas de telha-vã, os palheiros e as hortas cobertas de neve, as estalactites de gelo pendentes dos beirais, as castanhas a caírem dos ouriços, a missa aos domingos, a festa do Santiago, as linguiças e as alheiras e os salpicões pendurados nos lareiros, os figos, as cerejas e as amoras, as estórias que meu pai contava, a água fresca da fonte da vila e da mina dos Morgados, a minha aldeia tão pequena e tão grande, tão lúgubre e tão alegre, tão desengraçada e tão bela.
Desculpem lá esta pequenina divagação. A priori até parece nada ter a ver com a corrida, mas tem, e sabem por quê? Porque durante uma prova tento abster-me da mesma pensando em coisas agradáveis, e desta vez passei em revista retalhos da minha terra e da minha meninice. Mas podes ser tu e a tua terra, pode ser qualquer um e qualquer terra. Esta é a minha estratégia para repelir pensamentos negativos que eventualmente me batam à porta quando a fadiga chega. Às vezes dá resultado, outras nem por isso. Mas voltemos ao tema, ou seja, a Corrida dos Sinos.
O percurso é durinho não é?! Mas olhem que já foi pior. Quem já fez o antigo e o actual sabe do que falo. A verdade é que não há percursos fáceis. Há-os mais ou menos aprazíveis, segundo o gosto de cada um. Como é sabido, uns gostam mais de subir, outros preferem descer, outros ainda tanto se lhe dá, para eles é igual ao litro. A propósito, o que acham se as provas se realizassem em plena Mata Real? Será que nunca ninguém pensou nisso? Pode ser que tivéssemos sorte e víssemos alguns dos exemplares extraordinários que constituem a fauna e a flora deste sítio encantador, como a águia-de-Bonelli, o bufo-real, o açor, chapins, rabirruivos e tentilhões, gamos, veados, javalis e raposas, coelhos e texugos, carvalhos, sobreiros, azinheiras, castanheiros, pinheiros, choupos, salgueiros, freixos, eucaliptos; trovisco, tojo, urzes, murta e carrasco.
Conheço razoavelmente bem este sítio e posso garantir que é muito lindo, que vale a pena um fim-de-semana qualquer pegar na família, nos amigos, nas namoradas e penetrar neste mundo natural, interagir com a natureza, conhecer os habitats das várias espécies aqui existentes, sentir-se parte deste admirável e interessante ecossistema.
Chega de conversa fiada, vamos ao que interessa, a convivência, a satisfação de juntar mais uma prova ao currículo, o amealhar mais uns quilómetros para o ranking mensal, a alegria de subir ao palco e elevar nas alturas mais uma taça, neste caso correspondente ao 8º lugar por equipas. Tudo o resto não interessa. Parabéns a todos.
Texto autoria de Leonel Neves


Resultados

27 - João Inocêncio – 53:29
38 - João Vaz – 55:04
39 - Paulo Povoa – 55:05
67 - Pedro Arsénio – 57:58
76 - Eurico Charneca – 58:29
77 - António Henriques – 58:33
108 - José Pereira – 1:00:29
272 - Leonel Neves – 1:06:07
408 - Armando Almeida – 1:10:48
450 - António Fernandes – 1:12:01
495 - José Moga – 1:13:10
600 - Hernâni Monteiro - 1:15:36
672 - Joaquim Gomes – 1:17:19
790 - Manuel Peras – 1:21:02
881 - Fernando Silva – 1:23:54
892 - Emílio Gonçalves – 1:24:29
894 - Luciano Tomas – 1:24:33
960 - Ricardo Nicolau – 1:27:28
977 - Afonso Pinto – 1:28:19

Participaram na Mini as nossas atletas
Ana Sofia e Maria João
A todos muitos Parabéns

4 comentários:

Anônimo disse...

Belo texo.além de um excelente atleta,temos um grande escritor.
Parabens.
um abraço,António Fernandes

Unknown disse...

Pelo que li acredito que um dia o nosso clube vai ser notícia nos jornais e televisão, dado que, os atletas estão em forma e entre estes anda um escritor escondido. Parabens pelo texto e pelo lugar alcançado na prova.

Anônimo disse...

Leonel parabéns pelo excelente texto e disser publicamente o quanto fico contente por ver a alegria dos nossos amigos na hora de receber uma taça, para muitos uma coisa insignificante e para nós "amigos vale silencio" a coisa mais importante naquele momento e sempre a enorme alegria do eleito para a receber, muitos de nos revela uma certa falta de jeito naquele momento mas por dentro uma enorme alegria, espero que todos possamos partilhar o momento noutra ocasiões.
Fernando

joaquim adelino disse...

Parabéns a toda a rapaziada que tão bem representou a equipa dos Amigos Vale Silêncio.
Que linda forma tem o Leonel por companhia durante as corridas, tenho passado por tanto sítio e nunca vi tanta bicharada junta e todos aqueles ornamentos. Deve ter sido uma época de encantar, tanto que a memória permanece intocável e sempre com vontade de alertar para tão bonito espectáculo e apelando para que nunca ninguém se esqueça das suas verdadeiras raízes.
Abraço.